quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Ode às minhas companheiras de viagem

Minha doce irmã/ Pensa na manhã/ Em que iremos, numa viagem/ Amar a valer/ Amar e morrer/ No país que é a tua imagem! / Os sóis orvalhados/ Desses céus nublados/ Para mim guardam o encanto/ Misterioso e cruel/ De teu olho infiel/ Brilhando através do pranto(...)
(Charles Baudelaire, Convite à viagem).


Permitir-se ao mergulho nos mares de uma ação poética caminhante, lançar mão do cotidiano interior para adentrar nos eflúvios de cotidiano outro não é tarefa a se ignorar. Acreditar naquele que sonha e fazer do sonho de alguém elemento de sua própria vida é sobremaneira um ato de concessão e confiança. Conquistar a cidade durante essa busca por espaços heterotópicos não foi ato que se fez só – nesse processo artístico a peregrinação pelos espaços desconhecidos da cidade se consumou em uníssono com a conquista da confiança do outro.
Enquanto estrangeira da cidade não só a paisagem urbana fora estranha para mim no decorrer deste estudo; também aquele que a habita, com suas histórias, percepções, sensações e vivências era também uma esfinge por conhecer e decifrar. Nesse sentido, cabe afirmar que esta pesquisa, embora evoque em diversos instantes a necessidade de apaziguamento de uma solidão encarnada em meu corpo, bem como o desejo de sentir-me abrigada e aceita pela cidade adversa, não foi um estudo que se materializou na solidão.
Aqueles que me acompanharam até alguns Espaços de Abrigo, fotografando-me dentro deles com minha câmera pessoal bem como aceitando andar por caminhos um pouco mais longínquos na procura por estes espaços, buscando-os comigo e inclusive tendo sugerido espaços outros para minha habitação - espaços estes que foram de grande importância nesta pesquisa, tal como a habitação heterotópica nomeada Meditação Urbana - todas estas pessoas tornaram-se de extrema importância neste processo de pesquisa mas não apenas: deram o sopro de vida para que este trabalho pudesse ser erigido.
Outrora desconhecidas, as mulheres que comigo adentraram ainda que brevemente nesta aventura na cidade do Mar tornaram-se muito mais que um agente autônomo dentro de um processo de criação artística: elas tornaram-se cúmplices de minha existência, de minha jornada de vida, de minha estadia nos espaços do mundo; aceitaram e se permitiram viajar comigo neste processo que não é somente um processo de pesquisa em artes, mas também um processo latente de vida, da vida em seu turbilhão de transformações, medos, concessões, desejos, descobertas, buscas e intensidades.
Por essa razão, dei-me permissão neste momento da pesquisa de realizar uma licença poética. Às que me acompanharam em minha nau, e que sobremaneira adentraram nas aventuras que busquei tecer aqui, chamei-as companheiras de viagem. Pois foram estas pessoas no decorrer do presente trabalho, tal como a mim, viajantes dessa embarcação poética. Ora, a ação de viajar etimologicamente, é o “ato de ir de um a outro lugar relativamente afastado” (CUNHA, 2007, p. 820); daí deriva o adjetivo viajante, aquele que viaja, que se desloca.
Sobremodo, é possível pensar também a viagem como metáfora poética capaz de evidenciar a poesia contida nos movimentos e encontros da própria vida. Evoco aqui a viagem como elemento de um mergulho poético que se desdobra e se movimenta nos espaços da cidade contemporânea. A viagem, assim, adentra como processo de metaforização de um percurso lírico e que se desdobra em uma experiência de arte & vida.
A cidade, poeticamente, revelou-se a mim como uma espécie de Atlântida às avessas; senti-me em incontáveis momentos navegadora marítima de um país desconhecido em detrimento de seus terrenos nunca vistos, um verdadeiro oceano urbano frente a meus olhos estrangeiros. Lembro-me de Victor Hugo, em uma passagem da obra Os trabalhadores do mar: “De todas as misturas, a do oceano é a mais invisível e a mais profunda” (HUGO, 1957, p. 209). Tendo mergulhado comigo nesse profundo (in)visível, as minhas companheiras de viagem permitiram-se adentrar temporariamente nos meus sonhos e anseios mais ocultos: Ana Tharoel, Mariana Farias, Jéssika Oliveira, Stéphane Dis e Thaís.
Essas mulheres, com seus olhares-luz acompanharam-me,ainda que breve, quando de minha habitação em alguns escolhos da cidade-oceano registrando dentro do sempre essa experiência. Fizeram-no por vontade. E alegria. À essas mulheres, minhas companheiras de viagem, ofereço também meu canto e a literatura da pesquisa que aqui se desnovela. Com o coração aberto, afirmo com consciência e gratidão: Nada nunca será obstáculo para aquele que não se esquiva frente as torrentes do mar.

Luana Costa, abril de 2014. Trecho da Dissertação "A Poetisa vai à guerra: heterotopias para uma estética da existência", da autora.



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