Ode às
minhas companheiras de viagem
Minha doce irmã/ Pensa
na manhã/ Em que iremos, numa viagem/ Amar a valer/ Amar e morrer/ No país que
é a tua imagem! / Os sóis orvalhados/ Desses céus nublados/ Para mim guardam o
encanto/ Misterioso e cruel/ De teu olho infiel/ Brilhando através do pranto(...)
(Charles Baudelaire, Convite à viagem).
Permitir-se ao mergulho
nos mares de uma ação poética caminhante, lançar mão do cotidiano interior para
adentrar nos eflúvios de cotidiano outro não é tarefa a se ignorar. Acreditar
naquele que sonha e fazer do sonho de alguém elemento de sua própria vida é
sobremaneira um ato de concessão e confiança. Conquistar a cidade durante essa
busca por espaços heterotópicos não foi ato que se fez só – nesse processo
artístico a peregrinação pelos espaços desconhecidos da cidade se consumou em
uníssono com a conquista da confiança do outro.
Enquanto estrangeira da
cidade não só a paisagem urbana fora estranha para mim no decorrer deste
estudo; também aquele que a habita, com suas histórias, percepções, sensações e
vivências era também uma esfinge por conhecer e decifrar. Nesse sentido, cabe
afirmar que esta pesquisa, embora evoque em diversos instantes a necessidade de
apaziguamento de uma solidão encarnada em meu corpo, bem como o desejo de
sentir-me abrigada e aceita pela cidade adversa, não foi um estudo que se
materializou na solidão.
Aqueles que me
acompanharam até alguns Espaços de Abrigo, fotografando-me dentro deles com
minha câmera pessoal bem como aceitando andar por caminhos um pouco mais
longínquos na procura por estes espaços, buscando-os comigo e inclusive tendo
sugerido espaços outros para minha habitação - espaços estes que foram de
grande importância nesta pesquisa, tal como a habitação heterotópica nomeada Meditação Urbana - todas estas pessoas tornaram-se
de extrema importância neste processo de pesquisa mas não apenas: deram o sopro
de vida para que este trabalho pudesse ser erigido.
Outrora desconhecidas,
as mulheres que comigo adentraram ainda que brevemente nesta aventura na cidade
do Mar tornaram-se muito mais que um agente autônomo dentro de um processo de
criação artística: elas tornaram-se cúmplices de minha existência, de minha
jornada de vida, de minha estadia nos espaços do mundo; aceitaram e se
permitiram viajar comigo neste processo que não é somente um processo de
pesquisa em artes, mas também um processo latente de vida, da vida em seu
turbilhão de transformações, medos, concessões, desejos, descobertas, buscas e
intensidades.
Por essa razão, dei-me
permissão neste momento da pesquisa de realizar uma licença poética. Às que me
acompanharam em minha nau, e que sobremaneira adentraram nas aventuras que
busquei tecer aqui, chamei-as companheiras
de viagem. Pois foram estas pessoas no decorrer do presente trabalho, tal
como a mim, viajantes dessa embarcação
poética. Ora, a ação de viajar etimologicamente, é o “ato de ir de um a outro
lugar relativamente afastado” (CUNHA, 2007, p. 820); daí deriva o adjetivo viajante, aquele que viaja, que se
desloca.
Sobremodo, é possível
pensar também a viagem como metáfora poética capaz de evidenciar a poesia
contida nos movimentos e encontros da própria vida. Evoco aqui a viagem como
elemento de um mergulho poético que se desdobra e se movimenta nos espaços da
cidade contemporânea. A viagem, assim, adentra como processo de metaforização
de um percurso lírico e que se desdobra em uma experiência de arte & vida.
A cidade, poeticamente,
revelou-se a mim como uma espécie de Atlântida às avessas; senti-me em
incontáveis momentos navegadora marítima de um país desconhecido em detrimento
de seus terrenos nunca vistos, um verdadeiro oceano urbano frente a meus olhos
estrangeiros. Lembro-me de Victor Hugo, em uma passagem da obra Os trabalhadores do mar: “De todas as
misturas, a do oceano é a mais invisível e a mais profunda” (HUGO, 1957, p.
209). Tendo mergulhado comigo nesse profundo (in)visível, as minhas
companheiras de viagem permitiram-se adentrar temporariamente nos meus sonhos e
anseios mais ocultos: Ana Tharoel, Mariana Farias, Jéssika Oliveira, Stéphane Dis e Thaís.
Essas mulheres,
com seus olhares-luz acompanharam-me,ainda que breve, quando de minha habitação
em alguns escolhos da cidade-oceano registrando dentro do sempre essa experiência. Fizeram-no por vontade. E alegria. À essas
mulheres, minhas companheiras de viagem,
ofereço também meu canto e a literatura da pesquisa que aqui se desnovela. Com
o coração aberto, afirmo com consciência e gratidão: Nada nunca será obstáculo
para aquele que não se esquiva frente as torrentes do mar.
Luana Costa, abril de 2014. Trecho da Dissertação "A Poetisa vai à guerra: heterotopias para uma estética da existência", da autora.
Luana Costa, abril de 2014. Trecho da Dissertação "A Poetisa vai à guerra: heterotopias para uma estética da existência", da autora.
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